Histórias em torno da humidade relativa

Para melhor compreender e analisar o desempenho de determinada instalação de climatização, refrigeração ou secagem, envolvendo um ou mais escoamentos de ar húmido, é usual representar os processos num diagrama psicrométrico, válido para a pressão à qual os processos ocorrem (que geralmente é a pressão atmosférica).
Para que a análise do desempenho seja feita de forma correta é importante que as equações utilizadas correspondam a definições claras de cada um dos conceitos e parâmetros, evitando-se assim a criação de diagramas psicrométricos e ferramentas de cálculo online com informação contraditória, e porventura incorreta. A humidade relativa é um dos parâmetros cuja definição deve ser clarificada, relatando o presente artigo algumas histórias em torno dela.
Num sistema de climatização, de refrigeração, de secagem, ou de parte dessa instalação, ocorre pelo menos um processo de aquecimento, arrefecimento, desumidificação, humidificação ou de mistura de escoamentos de ar, os quais podemos designar como processos psicrométricos.
Na maior parte dos sistemas de climatização ou refrigeração admite-se que os processos ocorrem a uma determinada pressão total P (geralmente a pressão atmosférica), a qual na realidade depende da altitude do local. Para a pressão total em causa, o estado do ar húmido em cada ponto do sistema fica definido com os valores de duas variáveis independentes, tais como: temperatura de bolbo seco e temperatura de bolbo húmido, temperatura de bolbo seco e entalpia específica, temperatura de bolbo seco e pressão parcial do vapor, a qual está diretamente relacionada com o ponto de orvalho, também designado por temperatura de orvalho, ou temperatura de bolbo seco e humidade relativa.
O autor iniciou a sua carreira docente no ano de 1993, mas só alguns anos mais tarde, e na sequência de uma ação de formação sobre psicrometria aplicada por si organizada e ministrada, é que se inteirou de que o conceito de humidade relativa, tal como definido nos manuais da ASHRAE (1985 ASHRAE Handbook – Fundamentals (SI) [1], 1989 ASHRAE Handbook – Fundamentals (SI) [2] e 1993 ASHRAE Handbook – Fundamentals (SI) [3]), que tomou como referência na preparação das aulas, não tem sido interpretado corretamente pelas comunidades técnica e científica. Tal deve-se, na opinião do autor, à existência de duas definições de humidade relativa largamente publicadas na literatura técnico-científica que não são estritamente iguais, nem fisicamente nem matematicamente.
Histórias em torno da humidade relativa
Enquanto aluno nos cursos de Engenharia Mecânica (Licenciatura e Mestrado), o autor apenas utilizou o diagrama psicrométrico válido para a pressão total de 1 atm e para temperatura de bolbo seco no intervalo de 0 °C a 50 °C. No início da sua atividade docente, ao consultar o manual da ASHRAE [2], tomou conhecimento de que a ASHRAE fornecia 7 diagramas, 4 válidos para diferentes intervalos de temperatura de bolbo seco desde -40 °C a 200 °C, apenas para a pressão (total) de 1 atm, e os outros 3 para o intervalo de temperatura de 0 a 50 °C a diferentes valores de pressão (total) inferiores a 1 atm. Na altura providenciou para a obtenção dessa coleção de 7 diagramas psicrométricos
Quando visualizou pela primeira vez a coleção, verificou que as linhas de humidade relativa estavam desenhadas apenas até à temperatura de 100 °C no diagrama n° 3, este válido para P=1 atm e temperatura de bolbo seco no intervalo de 10 a 120 °C, e que não estavam desenhadas
no diagrama n° 4, este válido para P=1 atm e temperatura de bolbo seco no intervalo de 100 a 200 °C. Achou o facto algo estranho, mas, ao ler de novo a definição, percebeu a razão pela qual as linhas da humidade relativa não estavam desenhadas para os estados do ar húmido com temperatura superior a 100 °C nos diagramas n° 3 e n° 4, válidos para P=1 atm. (...)
Por Celestino Rodrigues Ruivo
Departamento de Engenharia Mecânica,
Instituto Superior de Engenharia, Universidade do Algarve
ADAI, Departamento de Engenharia Mecânica
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