Entrevista a António Figueiredo

Da FNAC à Mitsubishi Electric, passando pela Eurofred – António Figueiredo, presidente da sucursal portuguesa da marca japonesa especializada em sistemas de ar condicionado, fala sobre a evolução do mercado de AVAC e os desafios que o setor enfrenta atualmente perante os objetivos europeus de descarbonização.

Entrevista e fotografia por Christina Genet

Aqui, neste edifício, o ar condicionado não se faz ouvir muito.

O ruído que ouvimos nem sequer provém do ar condicionado, é do purificador de ar. O ar condicionado vamos senti-lo agora. [Liga o ar condicionado]

Mesmo assim, continua a ser bastante silencioso.

Pode registar isso na gravação: isto é Mitsubishi Electric, é o melhor do mundo, ponto final. Temos aqui uma prova factual. [Risos]

Diz isto depois de 27 anos na empresa ou já no primeiro ano?

Independentemente da minha posição atual, é muito difícil não reconhecer que é uma marca de renome, uma das principais no mercado do ar condicionado. Na altura [há 27 anos], trabalhava na Eurofred, desempenhando funções semelhantes às de hoje, era responsável pela gestão da sucursal. Depois, fui convidado a integrar a Mitsubishi Electric. Foi um convite do tipo do que fizeram ao Rúben Amorim [antigo treinador da equipa de futebol do Sporting] para o Manchester United. Felizmente, tive mais sorte do que ele. [Risos]

Já trabalhava no setor do AVAC antes da Eurofred e da Mitsubishi. Como chegou a este ramo?

O meu percurso no setor começou na FNAC – não a FNAC dos livros, [risos], mas sim a Fábrica Nacional de Ar-Condicionado. Era a única fábrica de ar condicionado em Portugal, onde se produziam chapas envolventes das máquinas e outros componentes. Havia uma grande incorporação de mão de obra e equipamentos nacionais. Foi assim que a empresa impulsionou verdadeiramente o ar condicionado em Portugal. Antes disso, o mercado já existia, mas sem a dimensão e a visibilidade que passou a ter a partir dessa altura. Quando consegui entrar para a FNAC, os meus amigos perguntavam-me: “Eh pá, como é que conseguiste isso?”. Naquela época, a FNAC era algo muito fora do comum. Passados cerca de seis anos, já tinha vergonha de dizer onde tinha estado a trabalhar. Infelizmente, a empresa entrou em falência e todos tivemos de seguir outros caminhos. Eu ainda fiquei lá até ao fim, porque acreditava que havia possibilidade de uma empresa estrangeira comprar a FNAC, mas isso não se verificou. Acabei por sair, mas fui um dos últimos a abandonar o barco. Quando saí, a situação era catastrófica, não só do ponto de vista empresarial, mas também pessoal, pois, por ingenuidade, aceitei ser administrador de três empresas. Rapidamente percebi que os dados eram desastrosos e pedi a demissão, mas fiquei anos a responder perante as finanças. O meu nome era o último da lista de administradores, pelo que era o último a ser chamado. Costumo dizer que o líder da empresa foi ao mesmo tempo, a mãe e o coveiro da própria organização. Era alguém comercialmente muito hábil, mas a ambição excessiva acabou por levar à ruína da empresa.

Integrou a Mitsubishi Electric em 1998. Quais eram, na altura, as principais preocupações nas reuniões de trabalho?

A Mitsubishi tinha prestígio como marca, mas não tinha grande valor em termos de mercado. Isso devia-se, infelizmente, a uma gestão que não tinha sido muito eficaz. As coisas estavam complicadas. Por essa razão, nos primeiros anos, a nível comercial, foi tudo bastante exigente. Requereu muito de todos nós. Basta dizer que, nos primeiros cinco meses, fiz 7 mil quilómetros com o carro da empresa. Só para perceber como era o meu dia a dia naquela altura: um dia ia para o norte, no outro para o sul. Tinha de passar sempre por aqui, porque ainda não existia e-banking, tudo precisava de ser assinado em papel. Já tínhamos deixado o telex e usávamos o fax, mas era tudo em papel.

Na época, a Mitsubishi Electric era comercializada por um distribuidor local. Mais tarde, a própria Mitsubishi Electric assumiu a distribuição, passando a ser a representante oficial. E é aqui que somos hoje. A Mitsubishi Electric está aqui, como empresa-mãe e fabricante. A Mitsubishi Electric Europa, o ramo comercial do grupo na Europa, tem várias sucursais: Portugal, França, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália. E nós somos uma delas, diretamente integrados na marca.

Como se encontrava o mercado do AVAC nessa época?

AF: Nessa altura, o mercado do AVAC estava muito longe do que é hoje. A FNAC era, na altura, a líder incontestada. Com a queda da FNAC, começou a emergir em Portugal uma marca japonesa que era a Sanyo. Os equipamentos da FNAC eram bastante antiquados — máquinas grandes, todas em chapa, tipo “caixote”. Já os equipamentos japoneses que começaram a chegar, como os que conhecemos atualmente, eram para instalar na parede, todos em plástico, com um design mais apelativo. Eram muito mais atraentes do que os da FNAC, e isso ajudou a Sanyo a destacar-se e a tornar-se líder de mercado. Claro que isso não tira mérito ao trabalho da empresa. Na época, além da Sanyo, praticamente não havia mais nada de relevante no mercado. Só mais tarde é que começaram a surgir novas marcas, novas abordagens. Lembro-me que a Hitachi, nessa fase inicial, apareceu com força e fez bastante barulho no mercado. Outro grande concorrente nosso, também japonês, é a Daikin. Já estava presente em Portugal e consolidou a sua posição. Atualmente, é o nosso principal concorrente.

Com o passar do tempo, além dos equipamentos japoneses, começaram também a entrar os coreanos e os chineses. A quantidade de marcas japonesas sempre foi enorme, já desde há muitos anos. Recordo-me de haver, nessa altura, cerca de 50 marcas no mercado. Pode parecer impossível, num país tão pequeno, mas é verdade. Hoje em dia, esse número não deverá andar muito longe. A diferença está no peso que essas marcas têm: atualmente, as coreanas e chinesas ganharam terreno. E temos de as considerar no mercado, porque queremos continuar a manter-nos no pódio. É aí que considero que estamos — não diria que somos os líderes, mas estamos certamente no pódio da liderança.

Está em contacto com as empresas concorrentes?

Estamos, sim, sobretudo através da APIRAC [Associação Portuguesa da Indústria da Refrigeração e Ar Condicionado], que é a entidade que nos deve reunir todos. Os principais players do setor encontram-se nesse contexto. Mas esses encontros servem para discutir apenas temas de interesse geral para o mercado — porque o cartel é proibido. [Risos] O que temos são assuntos transversais a todos os intervenientes. Por exemplo, lembro-me de uma medida que entrou em vigor com o Orçamento do Estado de 2022, que fixou o IVA em 6 % para bombas de calor. No entanto, essa alteração passou praticamente despercebida no mercado. Na prática, os distribuidores passaram a faturar os equipamentos com IVA de 6 % em vez de 23 %. Depois, os instaladores venderam ao cliente final também com 6 %. Mas o preço final é algo muito subjetivo.

Aquilo que observei, em algumas lojas, foi uma descida de preço, sim, mas não proporcional: em vez de um desconto de 17 %, o que se viu foi uma redução de cerca de 10 %, ficando os restantes 7 % algures no processo. Ou seja, o consumidor final acabou por não sentir realmente o benefício da medida. E o que apareceu ao público foi apenas mais uma “promoção”. Esta medida poderia, teoricamente, ter contribuído para dinamizar o setor. Mas, na prática, teve um impacto muito limitado. A tal “revolução” passou quase despercebida no próprio mercado.

Relativamente à questão dos preços, atualmente há cada vez mais diretivas sobre a eficiência energética. Diria que isso vai fazer aumentar o custo destes novos equipamentos mais eficientes? Qual é a sua impressão?

As diretivas europeias visam a neutralidade carbónica até 2050. No nosso setor, prevê-se uma redução muito significativa já em 2027, para níveis inferiores aos do gás atualmente mais usado no mercado, o R32. Ou seja, o gás que usamos hoje vai deixar de ser o gás do mercado em 2027. Haverá uma fase de transição, mas, em termos de produção, deverá deixar de existir. Para essa nova fase, teremos de encontrar um gás alternativo. São desafios muito grandes para tudo o que diz respeito ao futuro do ar condicionado. Até 2030, a parte dos gases fluorados, o GWP [Global Warming Potential], tem de chegar a zero. Mas isso implica encontrar alternativas. Muitos desses gases já existem — ou, pelo menos, parte deles —, mas a produção e a sua utilização em equipamentos domésticos ainda não estão implementadas. E isso não é fácil. Vai exigir mudanças profundas na filosofia dos equipamentos, muito em breve, nos próximos anos. Esse é o grande desafio que temos. No nosso caso concreto, já estamos a preparar-nos, a trabalhar exatamente nesse sentido. Mas, obviamente, isso vai trazer grandes alterações em relação ao que vemos hoje. E, em termos de preço, claro que não vai ser mais barato. Vai ser mais caro. A componente ecológica será cada vez menos poluente, mas cada utilizador vai ter de pagar pela tecnologia. (...)

Leia a entrevista na Avac Magazine nº 12, abril/ junho de 2025

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